segunda-feira, agosto 31, 2009



Nunca o cinzento a seduziu, embora de forma displicente reparasse nos vincos ainda quentes que dividiam a perna de tecido com perícia. Como se se tratasse apenas de uma auto estrada, no pior dos casos, de uma rua sem saída, bloqueada por um pé inerte. Mas é verdade, nunca o cinzento a seduziu, nem tão pouco a forma geométricamente perfeita da gravata. Ainda que pudesse ser de seda vermelha, macia, escorregadia. Nas suas longas horas de trabalho disciplinado, deixava muitas vezes que a imaginação fugisse e, sem que ninguém desse conta, imaginava aquele vermelho rubro como um grito que o cinzento, tédio imposto, ainda conseguia libertar.
Outras vezes, imaginava o sub-chefe mangas de alpaca, severo e controlador dos minutos na casa de banho, vestido de ceroulas.
Amareladas, daquele tecido cardado e quente, que sabia ser usado pelos homens. Assim observara em pequena, na Casa Africana, onde tantas vezes tinha ido, de mão dada com a mãe.
Dessa forma, imaginando-o de ceroulas, ao sair, era sempre com um sorriso, que lhe dizia, boa tarde, sr.neves, até amanhã se deus quiser. E ele, surpreso com o sorriso, sorria também.
Nunca o cinzento a seduziu, mas trabalhava disciplinada e criteriosamente, em paz com as suas fugas de imaginação, nunca imaginadas por ninguém, as horas passando no grande relógio de parede, anos a fio. O que a seduzia mesmo, verdade seja dita, era o vento frio da tarde, quase noite, quando saía, até amanhã sr. neves, até amanhã, que se faz tarde e eu quero é o vento forte na cara, o cabelo despenteado, o cheiro do rio a perfurar a disciplina das narinas, eu quero é ver o rio, acender um cigarro, esquecer os sérios e cumpridores e viver até amanhã, se deus quiser.

Nunca o cinzento a seduziu é bem verdade e nunca o vermelho geométricamente perfeito da gravata, ainda que de seda escorregadia, a conseguiu demover do vento na cara.


Onde teria chegado, se assim não fosse?







segunda-feira, agosto 24, 2009

"...do homem que fumava fantasmas"






...das histórias antigas, para as quais já não temos palavras.

A propósito de uma noite animada, entre vodkas laranja e cubas livres, saxofones e risos,

percebi que há histórias que com o tempo, deixam de rezar na nossa própria história.

Como se não existisse forma lógica de as explicar.

Como dizer, era um homem que fumava fantasmas?...

quinta-feira, agosto 20, 2009

Hoje, falaram-me de felicidade, conceito tão complexo de analisar, quanto de dificil assunção na plenitude dos nos nossos corpos e mentes, o que me levou a dizer, que gosto de ser feliz, desta forma serena como hoje me sinto. Gostaria de mudar o mundo e sei que nunca o mudarei. Mas vou mudando o meu mundo, na esperança que ele, pequenino, possa influenciar todos os outros, que à volta dele gravitam.


Talvez, hoje,
[sabendo o tudo que sei, tendo aprendido o tudo quanto aprendi,
sabendo o outro tudo que não sei e sabendo o enorme tudo, que ainda não aprendi],
a felicidade serena que me inunda,
caiba no poder partilhar de um chá, de um chão e de uma música...









Algures, pelo mundo, as "lavadeiras" continuam suspirando,
cantando ao vento, magestosos verdes de esperança e luz.
E homens, simples, continuam a plantar, a semear.
Hoje, de nada mais preciso.
Bebamos o chá.

quarta-feira, agosto 12, 2009



ir.
deixar-se ir.
devorando estradas
nos quadris do horizonte.
como se nada mais importasse.
ou fosse real.




sexta-feira, agosto 07, 2009




Anónimos, cruzam mares e atravessam séculos,
os suspiros das "lavadeiras"...








Imagem: Vaso em faiança, 1915, Arte Deco, Colecção Berardo, CCB

Música: "Lavava y sospirava" Uma canção sefardi anónima tocada por Hespèrion XXI e cantada por Montserrat Figueras.

segunda-feira, agosto 03, 2009




Condenado, sem cruz.







{imagem: Hajime Fujita, coreógrafo e bailarino japonês, ontem no CCB, no decorrer de uma sessão de dança improvisada, sob o tema "arquitectura urbana"}