quarta-feira, julho 29, 2009


Muitas vezes à rapariga tinha sido imposta a paragem.
Muitas vezes se tinha quedado muda em reflexões, cega às árvores que dançavam para lá dos vidros enjanelados de luz, surda às vozes que a convidavam a sair.
Muitas vezes, se tinha debatido a rapariga, no paradigma da desconstrução da poesia que a movia, como se no dia em que a obra estivesse completa, o puzzle lhe aparecesse como se de uma vida nova se tratasse.
Como se a racionalização dos gestos lhe trouxesse respostas à velha inquietação da alma, como se a inteligência despida da emoção no momento das decisões, tomadas ou preteridas, lhe descobrisse uma nova perspectiva de vida.
Propôs-se entre quatro paredes a analisar a natureza da pedra, a perceber a (in)significância da carne, a desfiar lentamente os ângulos agudos das palavras, como se da matéria do papel, fosse possível fazer nascer um novo rio. A juzante de si mesma.
Equilibrou sinónimos na imperfeição das arestas que se não tocavam.
Construiu realidades a que não soube dar nome.
Contínuamente, peça a peça, desconstruiu o grande acto de vida, contido em si.
No chão, brincou com as pequenas marionetes que desenhou para se ver reflectida em cada acto. Leal à memória, refez percursos e deu voz a personagens de pano usado.
Acordou num cubo cinzento, estrangulada de silêncio.
Entre quatro paredes, percebeu, que a poesia que a tinha movido dia após dia, não era puzzle que se desconstruísse, na realização de uma ideia, que buscava perfeição.

A vida será sempre mais, ainda que na imperfeição do todo que a há-de consumir.


E de novo se reconstruíu.





19 comentários:

rosa disse...

e ainda bem.

:)


um beijo, Arábica.

Justine disse...

Cristalino e vibrante, o teu texto. E o que se adivinha no seu labirinto. Tal como a música que o(te) acompanha
Beijo

Duarte disse...

Tom e som, compassados.

Estas reflexões, tão meditadas, adquirem certa magnitude ao ser fruto de vivências no limite da desesperação que motiva a passividade.

Acredito na evolução do ser.

Beijinhos, com certa carga emocional

A.S. disse...

Belissimo texto!!!

Li, reli, voltei a ler... mergulhei no âmago das palavras e senti que na vida ainda existem momentos muito belos...


Meus beijos!

Rosa dos Ventos disse...

A vida tem mesmo que ser mais, embora com imperfeições!
Texto estranhamente comovente...

Abraço

Lizzie disse...

Não se terá todo o tempo da morte, para olhar para trás e juntar os pedaços soltos da vida?

Se o presente tem peso, o passado pode ser uma carga adicional que pinga em ferida aberta.

E afinal, tanto o passado como o presente (se é que existe) são irreversíveis.

Quanto muito podem segredar lições ao ouvido. Talvez seja essa a sua, do passado, função. Para o bem e para o mal.



Por acaso, esta peça do Cage é bastante dançável, mas num contexto, para mim, claro,muito narrativo e, talvez com algum tom quotidiano de comédia.

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

a vida que se foi guiando , procurando , a eterna busca ,,,,
Um prazer Arábica!
Um beijo
____________ JRMARTO

Mar Arável disse...

óbviamente

a natureza da pedra

descobrir

o que está por detràs das sombras

o que luz

quando os nossos olhos

se fixam

Belo texto

Bjs

pront'habitar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
pront'habitar disse...

Espero que esteja melhor da telha, eu estou farto de estar com a mosca.

Melhor fim de semana.

://foiavenidasvelhas.blogspot.com/

o Reverso disse...

a capacidade de se ir construindo e, se for caso disso, de se reconstruir. nem todos são capazes de fazê-lo...

pb disse...

Numa reconstrução, corrigem-se os erros iniciais, fortalecem-se as estruturas, aprima-se os pormenores, mudam-se as cores para aquelas que gostamos ! Um beijo

~pi disse...

e de novo uma nova parte

e ainda esta aresta

esta tarde

esta vidro

sinal

leve aragem

fantasma

[ e de novo a

montagem

deitar fora cuspir

do poço ao quintal

água das águas

e de novo e de novo tudo

e de novo e de novo

nada

fecha-olhos

sol e sóis e só

ins ~pirar

ex ~pi rar

abre olhos

tudo o que é pequenino

tudo o que é imenso

amar-amar

a m a r,







beijo, abraÇo





~

AnaMar (pseudónimo) disse...

Como te entendo.
Uma das diferenças é que nunca consegui terminar um puzzle.
beijossssssssssssssssssss

MagyMay disse...

"...percebeu, que a poesia que a tinha movido dia após dia, não era puzzle que se desconstruísse.."

"E de novo se reconstruíu."

O teu texto "mexe" nas emoções...e à minha maneira, nas minhas e no meus sentires da vida

Beijo

maré disse...

que belo post introspectivo...

viagens à lucidez
mais penetrante das palavras.


.

e um beijo
gratíssimo

Nina Owls disse...

não há melhor puzzle do que aquele que nunca terminamos.
Sou muito a favor das reconstruções. E hei-de dizer mais: que quando se chega a determinada idade, a das tolerâncias, não se perguntam mais porquês mesmo que se continue a puzzlear os mesmos. Hei-de dizer que se prefere reconstruir.
Boa semana Arábica

Alien8 disse...

E é assim mesmo, Arabica, que há coisas que não podem mesmo ser desconstruídas (e digo-o sabendo-me sujeito a levar com um cartapácio de um brilhante teórico do desconstrutivismo na minha cabeça sui generis.)

Belo texto, pleno de afeições e contruções.

Um abraço.

M. disse...

Belos, desenho e texto, em simbiose perfeita. Fantástica a figurinha a baloiçar no ramo da árvore.