Crescidos, adultos, vivenciados e de corpo presente através do tempo, muitas foram decerto as casas que nos marcaram e se deixaram tatuar por nós, pilares testemunhais de um ciclo que crescendo, se encerrou.
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Contudo, não foi alguma dessas casas (guardadas em mim), que teve reconhecimento esta semana. A noticia chegou-me através do Facebook: no Chipre, essa ilha paradisíaca parcial e ilegalmente ocupada pela Turquia desde 1974, pela primeira vez, um cipriota leva a tribunal o casal que edificou uma casa nos seus terrenos, entretanto usurpados e vendidos, também ilegalmente, por um ocupante. Parece-nos, a nós, portugueses e a viver num estado de direito, acto legitimo e até banal, decerto. Contudo, só quem lá vive ou quem passou por lá de olhos e alma abertos aos arames farpados e à mágoa dos olhos, percebe bem toda a importância de que para os cipriotas se reveste esta noticia: pela primeira vez, um homem põe em causa a legitimidade dos ocupantes e dos que, sem escrúpulos, se aproveitam desta situação. Pela primeira vez um homem ganha voz para dizer não. E ganha. Um simples homem, proprietário de uns torrões de terra leva também, ainda que indirectamente a Turquia a julgamento. E ganha.
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Ganha o Sr.Apostolides corpo de herói, quase um helénico Che Guevara, perante o desfecho.
E contudo, ainda que sem o conhecer, adivinho-lhe a memória de dor sobre a qual construiu
a força de que faz a sua voz...
Por isso, impossível não me lembrar da casa, quando ao conhecer página a página a "Hierofania dos Dedos" de Jorge Vicente, li este 13º poema:
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a casa é o último
vestígio do pranto:
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as suas paredes - sentinelas
de memória - adormecem
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num abraço o rebordo
dos olhos
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29 comentários:
A importãncia da casa é a que advém de poder definir um «dentro» e um «fora»; a nossa socilaização e a nossa privacidade.
Tudo o que seja cotra ela, arrisca uma ofensa material e espiritual.
Em qualquer parte do mundo.
Saudações
Importante a vitória do cipriota, sem dúvida.
As paredes dos nossos afectos ficarão sempre na nossa memória.
Um beijo
Arabica,
Já comentado e recomentado noutro local, agora é que venho reencontrar aqui a epopeia do cipriota Apostolides. Infelizmente, como muito bem dizes, a Turquia só indirectamente foi a julgamento. É por isso que pergunto para que servem os Tribunais Internacionais. Ou a ONU. Porque aqui não se trata apenas de problemas individuais, mas sobretudo de uma questão colectiva, que bem ilustras, e certamente, tendo por lá passado, sentes de outra forma.
Eu apenas pergunto: Como e quando acabarão esta e outras ocupações ilegais de territórios soberanos?
Hasta cuándo?
Um abraço.
Um abraço para a Maria e para o JPD, amigos sempre presentes.
Alien, quanto à pergunta que deixas, formulo-a eu própria sem obter qualquer resposta. E o tempo urge; repara no caso do Chipre: em 2005 já a Onu lá estava. A ocupação era visivel e notável ao longo da ilha. Eu própria -sem querer- fui ter a uma base militar de manutenção de paz, que existia a poucos kms perto do meu hotel.
Sem a entrada do Chipre para a UE, temo que este julgamento nunca tivesse tido lugar.
Era dessa impotência, dessa falta de meios para lutarem pelos seus direitos e em certas questões, até de falta de soluções, que os cipriotas tanto se lamentavam.
Como se o mundo não os visse, nem ouvisse, nem soubesse de tal situação. Admirei-os pela calma, ainda que visivelmente dolorosa.
Não percebo o que é preciso fazer para países invasores e ocupadores de estados soberanos (e violadores de direitos humanos) serem levados a tribunal. Também não percebo porque se pagam indemnizações e se permite que se continue a violar a lei. Não deve ser por falta de testemunhas. Neste mundo mediatizado e do tamanho de uma ervilha, não faltam olhos sobre o que a cada dia se vai fazendo.
Pedra sobre pedra.
Golias e David, algures se continuam a debater...
É dificil ficarmos calados ou indiferentes.
Beijos
De facto, a casa que terá de ser demolida, neste contexto, é apenas a ponta do iceberg.
Para quem quiser perceber melhor a noticia, deixo este link:
http://property.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/property/overseas/article5767404.ece
Na verdade
estamos condenados a resistir
contra todas as tiranias
Um texto de inconformismo
foi assim que o li
Bjs
Seja esta a ponta do icerberg e então este caso é mais que uma vitória de um homem sobre o direito ao seu terreno...
Um passo em frente, firme e caminhar, Srs. Apostolides!!!
irei saber mais pormenores,mas gostei que a notícia tivesse chegado a mim através das tuas palavras e das tuas reflexões.
vou passando por cá, mas nem sempre com tempo para comentar os teus posts. espero voltar aqui, com mais calma, embora sejam bons os motivos que me impedem de passar, na blogosfera,o tempo que desejaria.
um abraço, arábica
Ante tudo a minha felicitação pela eleição musical, sempre tão acorde, e com bom gosto.
Constância e persistência, o que nunca nos deve faltar para seguir na luta e lograr ideais e realidades.
Um documento que faz criar adição.
Sombras, isto quanto à arte, pelos tons que emergem desta foto... impecável na concepção.
Beijinhos
E são seres humanos assim que nos fazem acreditar na rectidao humana.
:)
a casa-crente
em tudo-inteira
a voz-das-telhas
na casa-quente
[respigação: olhos
vestígio s
cobertor
e sentinela
e beijo, querida arábica
~
Tantas vezes o cerco de quatro paredes se torna uma necessidade essencial. De quatro paredes nossas.
(não há vez que eu tome banho que não me lembre de um certo Chipre... e de Braga; isto explica-se, acredita)
a casa é sempre o lugar mais matricial de todos nós, Amiga. o vestígio da nossa memória.
nem imaginas a tristeza que senti quando estive na croácia: aquelas casas abandonadas, que tantas memórias tinham e que a guerra destruíu. e os turistas sempre a tirar fotos dessas casas, dos cemitérios ao longo da estrada. como se a memória fosse fotografada pelos corvos...
grande beijinho
jorge
É desta fibra que os verdadeiros homens são feitos!
Abraço
Bonito poema... válido comentário! :) Boa semana.
Era uma casa
muito engraçada
não tinha teto
não tinha nada
Ninguém podia entrar nela, não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede
Ninguém podia fazer pipi
porque penico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número zero.
Mil vezes agradecido seu Vinicius por me salvar deste troço.
Beijos.
Oi, Arábica.
Não ao conformismo.
Beijos.
não poderia haver maior ilustração para este belíssimo poema.
ainda me lembro dos confrontos.
e resistir é a forma de não nos roubarem a identidade.
______-
beijo
ah! vou esperar :)
as casas têm uma estoria...
guardo na memoria... as minhas
principalmente a primeira, de pedra de granito, hoje sem telhado
depois se sairmos, serviu como curral de ovelhas...
olhando para ela, parece ser impossivel algume ter vivido lá...
conheço a realidade cipriota...
abrazo serrano
belissimo poste!
gostei muito de ler.
um beij
Gratificante, sempre que alguma justiça é feita aos mais humildes e desamparados desta vida!Centelha de esperança na melhoria deste mundo...
não vergar e resistir em todas as circunstâncias.
gostei mto.
beijo
fiquei muito contente por teres citado o jorge, querida amiga, é um grande poeta, muito especial :) um beijinho grande por isso*
Uma triste história, longe ainda de um final feliz. Parece, no entanto, acender-se uma luzinha, encetar-se um começo.
Vibrante o teu testemunho.
Um abraço.
a casa como nosso refúgio, o fora onde temos o nosso papel da sociedade
Nem sempre
vãos,
lutas e destinos.
A casa-casa-mentedosentimento, onde nos sentimos/sentamos.
Bjs
o abrigo, a cultura, a história, o crescimento, o que uma casa não representa na vida de um ser humano!?
Passo tarde, e deixo beijinhos.
Beijinho Arábica
;))
Belas imagens
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