sábado, junho 13, 2009









Muitas vezes tenho reflectido sobre a sorte de não viver num condominio fechado.
E até de não conduzir. É sem dúvida também nas ruas e transportes públicos desta minha cidade, que tomo a medida real do povo que somos. Nem sempre o contacto é de esperança. Nem sempre o conhecimento do outro, nos traz alguma empatia ou conforto. Nem sempre acontece gostarmos do que vemos. Mas a realidade, transpõe coerente e racionalmente o que nos identifica nos outros. É também no choque, no assombro, que tomamos a medida do real que somos.


Individual e colectivamente vamos abordando a realidade alheia: dois passos à frente, um atrás.Encontros de segundos, outros mais alongados no tempo e no espaço, todos são plataforma de possível conhecimento e crescimentom ainda que a percepção sem concepção seja cega. Porque será que uma pessoa má, sem valores, amarga, invejosa, mentirosa, lê diárimente, a caminho do emprego, Paulo Coelho? Que procurará nele?Que lhe dará ele?

Que será que aconteceu à mulher que entra no café e abruptamente à laia de troco, sacode para o balcão um "só encontro merda no meu caminho"? Que vida terá a outra que da sua janela no Bairro Alto desabafa com a vizinha, "oh filha vou mudar a fralda ao velho, que eu tenho uma sina fodida "? Sei que são também estas, as pessoas reais da minha cidade, para lá do jazz à quinta no ccb, para lá da Catarina com o doce sabor a maçã de António Alçada Baptista e outras Severas, de quem reza a história. E assim, atenta aos sinais e aos outros que comigo se cruzam, gosto de trazer para casa um sinal que seja de mudança. Nem sempre acontece, mas aconteceu ontem.


Estavam 37º e o sol a pique. Sentada numa paragem de autocarro, vi chegar o grupo de homens,
oriundo da mesquita, onde tinham terminado os serviços religiosos. Atrás deles, caminha um homem sózinho, carregando um saco que se adivinha pesado. Agora todos nós fazemos parte do mesmo grupo (indiferente a raças, credos, culturas): estamos a um passo da Gulbenkian, numa paragem, aguardando o mesmo autocarro, sob um sol rigoroso e inclemente.


A surpresa começa a acontecer, quando o último homem, o do saco pesado, vem ao nosso encontro. Abrindo-o, apenas com um sorriso, oferece o (ainda) misterioso conteúdo. Do primeiro ao último homem percorridos, todos retiram do seu interior uma pequena garrafa de água. Incrédula, percebo que agora se dirige a mim. Também eu sou abençoada com uma garrafa de água, que agradeço retribuindo o sorriso.


São estes retalhos de vida real que me fazem acreditar na mudança.
São estes pequenos recipientes de água e de esperança, que me fazem validar o pensamento:
a mudança somos nós.


A mudança está em nós, se metafóricamente não vivermos num condomínio fechado e se, sem qualquer metáfora, conseguirmos sair à rua, crentes de que não somos donos de nenhuma verdade absoluta. É afinal tudo tão relativo, neste mundo em constante mutação...







Música: Ray Lema, e Búzios de Ana Moura.

62 comentários:

uf! disse...

Obrigada pela partilha, Arábica. Um elegante estilo, ao serviço de um objectivo elegante.
Eu também acredito nos dadores de água. Desde que deixei de acreditar num Deus é a fé nos dadores de água que dá sentido à minha vida.
Bom domingo.
Um beijo

Justine disse...

É afinal tudo tão simples: bastava querer olhar para os outros, e reflectir esse olhar em nós. Nem todos nos transformaríamos em graciosos distribuidores de bondade, mas o mundo ficaria melhor.
A tua estória transmite força e esperança

Arábica disse...

Prof., a escrita nã pretende ter estilo. E a realidade transmitida tem o que tem, caracterizado pelo ambiente de origem e pelos safanões da vida. Não tem estilo determinado, decerto, a mulher que entra assim no café. Mas isso pouco importa, tem a determinação de não voltar a escorregar no que lhe aparece no caminho. De escolher. E de dizer não. Também não consigo definir o estilo (será bairrista?) da neta, desempregada, sem estudos, que abanadonada pelos pais foi criada por um avô, que agora, incontinente e envelhecido, nos seus gastos noventa e muitos anos, vive numa cama de corpo e meio, num apertado saguão. Terão que ter estilo as vidas urbanas de que falo? Ai Prof., se estilo fosse como o ar, vital à vida, tantos desapareceriam!!
Talvez nos custe a nós, suportar o dialecto, o palavrão, talvez ele nos arranhe a sensibilidade de mulheres letradas, que pousam o guardanapo sobre as pernas e têm um livro de cabeceira. Mas que o nosso estilo, ou a nossa educação, não se transforme em soberba ou indiferença, para fingir que elas não existem ou pior, que não devem constar das crónicas.

Estilo, para elas, é secundário, Prof., lutam diáriamente com a lixivia e com as fraldas, com os sacos pesados pelas escadas acima, com ordenados e pensões de sobrevivência de fazer corar qualquer estilo.

Estilo é fazerem frente à sina.
E dizerem que não à ****** que teimosamente, em dias de manjerico e sardinha, ainda lhes salta ao caminho.

Serão poucas?Muitas? não sei: existem.

E aqui ficam representadas.

Quanto à primeira pessoa, continuo sem respostas. Que procurará em P. Coelho? Essa não diz palavrões, Prof. Tem um estilo próprio.

O aguadeiro tem o valor que tem: o de não dividir. O de não ver as diferenças, ou melhor dizendo: respeitá-las, ultrapassá-las e evoluir.

Não será assim, o mundo melhor?


Abraço grande.

dona tela disse...

Desculpe não comentar, mas ando bastante baralhada com isto tudo.

Reiterados cumprimentos.

Arábica disse...

Prof.,

encontrar respostas para a primeira, vejo agora, continua a ser importante para mim. É do sexo feminino, 40 e poucos anos, tem o 12º ano e alguma formação profissional. Tem dois filhos,vive numa moradia na margem sul e poucos escrupulos em "lixar" o proximo. O colega do lado. O que deveria ser o seu camarada.

Talvez essa pessoa represente a carga de trabalhos que salta ao caminho da outra, já pensou? :)

Mais um abraço.

Arábica disse...

Justine,

a vida nas cidades não é simples nem linear. Nascer, viver na cidade, não é ainda uma facilidade social. Olhar de forma diferente para as pessoas diferentes, sem preconceitos, é o primeiro e mais importante passo na humanização do cimento e dos prédios enfilarados.

Quando a esperança num sistema social que melhor defenda a qualidade de vida das cidadãs e dos cidadãos esmorece, é como tu, dizes, através do olhar que devemos ficar mais próximos dos outros. Ainda que num primeiro contacto não vejamos pontos em comum...

Abraço meu neste domingo de chuva.

Licínia Quitério disse...

Ah Arábica, o texto deixou-me muda e o comentário/resposta devolveu-me a voz. Sentir as nossas cidades, no calcorrear ao sol e à chuva, é uma fonte de aprendizagem e de humildade.Quanto mais vale o palavrão que o palavrejar de tantos comodistas colunistas. Se eles ao menos soubessem que sabem tão pouco, falariam muito menos, e livrar-nos-iam da poluição das suas erudições de pacotilha.

Um abraço, Cidade!

Arábica disse...

Oh Dona Telinha, baralhada com quê, minha querida?


Os meus mais cordiais cumprimentos :))

Arábica disse...

Licínia,


a cidade -daqui- te retribui o abraço, certa que no calcorrear pelas ruas e pelos rostos, o encontro se dará; entre os mais favorecidos pelo destino e os que clandestina e anónimamente se submetem a sinas pesadas.

Aqui também ficava bem o fado "Búzios".

Na sombra e na luz da cidade.

uf! disse...

Arábica, sinto-me forçada a desistir de aqui deixar os meus comentários pois que, mais uma vez se confirma, não sei cibercomunicar. Falava do estilo da sua escrita, em sequência de uma anterior troca de ideias (sobre o seu ideolecto); e falava dos objectivos da sua escrita - ou do que eu julguei serem os objectivos da mesma, para além do prazer da escrita, propriamente dito.
Há quem considere que a estética não tem de ser ética. Já houve um tempo em que pensei assim. Hoje, não sei porque voltas da vida, não consigo ver estética na ausência de ética. Nenhuma escrita é inocente. E eu não consigo sentir-me esteticamente atraída por uma escrita sem ética nem por uma escrita «inerte», aparentemente neutra - digo aparentemente porque não acredito que exista tal.
O que eu queria dizer é que achei o seu texto ético e estético. Poderia ser só ético; haverá quem pense que poderia ser só estético (como disse atrás, não seria o meu caso); mas achei que a ética estava bem servida pela estética.
Ou seja, gostei da forma e do conteúdo.
Não havia, no meu comentário, uma linha, uma palavra, uma vírgula que visasse emitir qualquer juízo de valor sobre outras personagens que não a do homem que dá água; e havia a intenção de mostrar o valor, a importância que tem, aos meus olhos, quem «dá água» assim como quem fala de quem «dá água».
Se eu não fosse ciberincomunicativa, acredito que outra seria a leitura que faria do meu texto. Mas o meu analfabetismo tem por mau aliado não sei se o facto de a Arábica não me conhecer, se o facto de eventualmente pensar que me conhece....
E coloca nas minhas palavras intenções que elas não têm e que quem me conhece sabe que nunca poderiam ter.
Quis apenas deixar o testemunho do meu apreço pelo seu texto mas, de facto, a quem é que isso pode interessar?...
Desculpe a presunção (como já não há água benta nas igrejas, abuso da presunção) :-)
um beijo
post scriptum: só comprei um livro de Paulo Coelho - porque as minhas alunas e os meus alunos o citavam muito e eu achei que deveria ler. Comecei a ler mas não tive pachorra para acabar. (a isto, talvez se possa chamar soberba, sim). Uma pseudo-ética sem estética que nem para me adormecer serviu...
Das vidas duras sei um pouco mais - mas sempre pouco, que quem não passou pelas agruras involuntariamente não pode saber o que elas são. Quero eu dizer que é muito interessante viver uns dias numa tenda ou alugar uma casa sem electricidade nem água canalizada nas férias; ou cozinhar em forno de lenha no fim-de-semana; tem muito charme, quando isso é uma opção pontual...
Mas só quem passa por isso sem o desejar pode avaliar...

Arábica disse...

:) Prof., então desta vez eu é que peço desculpa, de joelhos, se preciso for, :)) porque não entendi o comentário como elogioso.

Julguei que tinha percebido mal a minha escrita (não são muitos os meus textos longos) e que tinha realmente considerado falta de elegância o uso das palavras, ouvidas na rua!! :)

Isto de ser comentada por uma Prof. tem que se lhe diga, ser examinada em conteúdo e forma, também!!

:))

Não desista de cibercomunicar comigo por favor!!!

Pois, sobre o P.Coelho e as suas mensagens continuo com dúvidas, não sobre as mesmas, mas sobre a tão grande necessidade de o ler.
O lado de lá.

O facto de gostar do meu texto, agrada-me a mim, ou não fosse eu uma aprendiz, humilde e por vezes insegura sobre se teria conseguido passar uma mensagem eficaz ou se me teria perdido pelo caminho...

Viver abaixo da linha média de dignidade deve ser uma vivência demaiado dolorosa, para poder experimentá-la durante as férias.
Mesmo dessa forma, a nossa percepção é que estamos daquela forma porque queremos e durante o tempo que queremos. Vivenciá-la, desconhecendo de antemão se haverá mudança, não conseguindo prever facto ou acontecimento que nos eleve ao que os outros têm sem prestar atenção, deve ser uma forma desesperada de sobrevivência e resistência, que nunca conseguirei imaginar.

Mais uma vez as minhas desculpas por ter compreendido de forma errada o seu comentário.

Abraço

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Arábica , não imaginas como doeram as tuas palavras, são aflitas de tão reais .... O Outro é o nosso defasio, e também o encontro connosco, o que nem sempre é fácil...
O meu caso neste teu texto ...
Sabemos detalhes da realidade na linguagem cifrada de números e de ciência bem falante , mas o que testemulhamos é de outra natureza ...
Tocante , o teu texto !
Ps- não viver num condomínio fechado é um luxo , não conduzir um privilégio, vivo a 5 minutos de tudo o que é vivo , não conduzo por opção !
Abraço arábica !

Humana disse...

gestos raros, de agora e de sempre, que nos fazem chegar a casa com um sorriso enorme no coração e no olhar.
também eu, andarilha, conservo o velho hábito de calcorrear a cidade. com ou sem automóvel, mesmo sabendo conduzir, gosto de me deixar ir pelos meus próprios pés, com rumo ou à deriva, para sentir, bem de perto, o coração da cidade a bater, tantas vezes em sintonia com o meu...

abraço, arábica.
cheguei há pouco a casa, vinda de aprazíveis caminhos; e eu prolongo-os, abrindo a janela que dá para o jardim e saboreando, lentamente, um café forte e aromático, enquanto actualizo a leitura dos blogues que frequento e teço, sem pressas, alguns comentários.

pb disse...

Surpresas urbanas, cada vez mais raras nos grandes centros...beijo

mdsol disse...

Arábica, linda menina:
Que bom foi ler este eu texto. E ficar a pensar como vivemos no meio de perplexidades.
Um beijinho fresco como a tua água, essa sim, verdadeira água benta.
:))

Marina disse...

A mudança somos Nós, e a Luz será um dia realidade.
:)
Beijos

Duarte disse...

Ana Moura faz-me sentir coisas da minha terra, ouvindo-a viajei no tempo, e isso dá vida.

A tua narrativa é duma realidade tal que me cativa. Isto faz-me sentir amarrado a este recanto e deixar-me levar pelos feitos. Idênticos aos que estou a viver desde o outubro passado. Até então a minha vida era um correr continuo, sem estações. Agora deu passo à contemplação e ao dialogo. Uso o autocarro quando nem sabia como se utilizava, e à dias até vim parte do percurso a falar com o condutor sobre as ciosas da vida: certo, era um jovem afável, ouve empatia desde o primeiro momento.

Assim somos, temos toda uma vida para viver, se queremos.

Obrigado pela tua reflexão, pois fez-me reflectir...

Recebe um grande abraço impregnado de emoções

Arábica disse...

José Marto,


a cidade, de janelas abertas ao calor de Junho, entrega-se a nossos olhos, e caso assim permitamos, ao nosso coração.

Desvendar fados, perceber gemidos, de gente viva, numa cidade viva, é assim algo único,entre o real e o surreal, dependendo sempre da nossa vivência.

Obrigada, José, pela partilha que também nos ofereces.

Beijos

Arábica disse...

Humanamente andarilha,

já não é de agora que te sei "dela" cidade dos quintais e dos pedaços de terra em mãos de homens teimosos!

Saber-te nos passeios e nas ruas é sem dúvida, acreditar que Lisboa é mais "humana" :))

Beijinhos

Arábica disse...

PB,

a surpresa está em cada esquina da cidade e do tempo. Só precisa que os olhos a encontrem.

Beijos e uma boa semana

Arábica disse...

Solinho,

obrigada :))

E tanta água tem para ser descoberta e bebida esta cidade, que faço minha e me possui de igual modo!

Mais que a traça invejavelmente bela de tantos edificios seculares, serão sempre as gentes que a habitam a dar-lhe vida!

Abraço

Arábica disse...

Marina,

a mudança somos nós.

E a luz só pode nascer quando os "homens" aceitarem a mudança em si, não é?

Beijos, boa semana

Arábica disse...

Duarte,


agradeço imenso as tuas palavras, sabendo de antemão que esta não é a tua cidade natal e que há muito tempo estás afastado dela.
Mal a reconheces, quem sabe?
Mas é um retrato leal e fiel à realidade paralela dos grandes centros comerciais, onde as familias tanto tempo passam no seu ócio de fim de semana.

Sei também como gostas de fado.
Se um dia vieres a Lisboa, lá iremos em bando, a uma noite de fados. Só não te prometo a Ana Moura :))Mas prometo-te o Bairro Alto, onde a fusão das realidades nuas, cruas, complexas e contrárias, entre as suas gentes e as novas gentes, acontece.

Tal como tu, reaprendi a andar de transportes públicos, quando me reformei, mas mais intensamente no último ano e meio.

Parece que simultaneamente aprendemos a apreciar o tempo do caminho com um novo olhar.

Votos de uma boa semana, beijinhos

Anónimo disse...

de lisboa, eu só conheço as vizinhanças de um largo, um terraço e um jardim pequenino,"construído" com afinco pela minha Humana. as "damas da noite" que ela lá plantou enchiam de perfume a escuridão e as sombras, as escadas do prédio onde ela habitava. por isso, ainda hoje, não consegue ir lá, ver o seu jardim abandonado, entregue apenas aos serviços da câmara municipal e aos ocasionais mimos de um casal idoso, que das plantas e dos bichos lhe vai dando notícias.
era no parapeito das janelas que davam para esse jardim que, logo de manhãzinha e à noite,a Humana punha um recipiente com comida seca - às vezes, fígado cozido ou comida de lata - para nós. e a mimosa, pequenina, mal via a Humana a chegar do trabalho, subia para cima do contentor de lixo lá do prédio e miava, a pedir miiimos. daí lhe veio o nome...

gostaste da foto? :)
é o visual de verão, uma fita de sangue a tentar pôr ordem nos caracóis teimosos e indomáveis. parecidos com ela.(mas isto é só entre nós, arábica, senão passo uma semana sem mimos nem acepipes...) :))))

uf! disse...

bom dia, Arábica.
Ontem à noite, quando regressei a casa(tarde, muito tarde), escrevi um comentário mas verifico agora que o sono era superior ao que eu pensava pois o dito não entrou.
Dizia-lhe que, relido o meu primeiro comentário, continuo sem perceber o que a levou a pensar o que pensou; dizia-lhe também que não se amofine com isto pois não é a primeira vez que não consigo passar a mensagem na net.
Dizia-lhe, ainda, que eu sou da geração dos olhos nos olhos e «burra velha não aprende línguas». Ainda bem que o comentário não ficou porque de imediato me tinha arrependido de escrever essa expressão - é que da aprendizagem das burras velhas, nada sei; e as novas até que são bastante inteligentes.
Votos de uma boa semana
um beijo

Arábica disse...

Prof., bom dia!


Por ter empregue o adjectivo "elegante" para o estilo, num texto onde se inscrevem palavras inseridas no denominado "calão" (empregues por fadistas, vadios, etc), pensei numa primeira abordagem e mais uma vez repito, fundamentada também na minha insegurança na eficácia da mensagem, que poderia estar a ser um pouco irónica... :))

Daí o meu comentário resposta, esclarecendo que o estilo da escrita era impresso totalmente pela realidade, trazido fielmente das ruas...

Daí esclarecer que mais importante que o calão, era a sina e destino dessas mulheres que connosco se cruzam; que enquanto "aguadeiros" e "sedentos de água", deveremos ter presente em nós a importância do encontro em espelho, com os outros, diferentes mas iguais, na constatação, enquanto seres humanos, da "sede" que nos une, para lá de tudo quanto nos separa e divide.

Foi realmente o adjectivo "elegante" que me confundiu e me levou ao extenso comentário/resposta.

Também sou burra velha, nesse caso :)). Mas não quero ser, não aceito esse destino. Quero fazer desta última renovação de células (segundo dizem é aos 49, a minha idade neste preciso momento) algo de válido.
Se for preciso pedir desculpa, peço, (estou tão longe de possuir falsas verdades) se for preciso ler cinquanta vezes, eu leio. Deito os búzios as vezes que forem necessárias, na tentativa de mexer o destino, mudar a sorte da surdez e cegueira.

Não me amofino. :))

Escrevo no impulso do esclarecer e aprofundar.

E hoje é dia de culinária, de abraços e beijos. :))

Contente com a minha sina de segunda feira :) deixo-lhe um abraço e um sorriso.

uf! disse...

pois... um dia destes, quando tomarmos um café, tento explicar-lhe o que entendo por elegância - na escrita e fora dela:-)
Para mim, o uso de palavrões não teve nada de deselegante, não senhora. Deselegante seria fazer chacota do falar dessas pessoas ou vesti-las de uma linguagem pudica ou erudita.
Receio não ter aproveitado convenientemente a renovação de células dos 49 (nem sabia da sua existência). Eu tento manter-me actualizada mas reconheço as minhas limitações.
De vez em quando lá tento comunicar por esta via mas, para superar a minha incapacidade cibercomunicativa, comento preferencialmente nos blogs de quem me conhece pessoalmente. E quando digo conhecer, não me refiro a breves encontros, refiro-me a anos de brigas e gargalhadas partilhadas.
Aliás, mesmo ao vivo, em directo e a cores sou por vezes traída pela minha timidez. Tanto faço por a disfarçar que às vezes parece altivez :-(
Mas é falando que nos entendemos e ainda bem que reagiu, para eu poder desfazer o equívoco.
Bons cozinhados (já tenho água ba boca).
beijos

Arábica disse...

:)) pois...é a falar que "a gente" se entende não é? É a capacidade de comunicarmos os nossos sentimentos, pensamentos e conhecimentos (também do eu, do eu que sou e do "eu" que os outros são)que nos aproxima e pode derrubar os biombos da comunicação e da diferença, alicerces sempre presentes em mal entendidos.

Depois deste exercicio, é facil concluir, que em mim, embora afoita, vertical e frontal na ideia, existia ainda reminiscências de preconceito em relação ao uso do "palavrão".
Iria ferir susceptibilidades?
Iriam perceber o porquê do uso?
Basta observar o tamanho de letra escolhida para o efeito. :))


Às vezes é bom analisarmos os detalhes importantes da nossa escrita, quando sem censura ou passagem a limpo (como a minha, sempre sem peneira nem rede). Para nos percebermos.

Se me tivesse detido na escrita, se tivesse relido uma hora depois, talvez tivesse corrigido o tamanho da letra.

Escrever é ir mais longe e mais dentro, quando nos permitimos à descoberta.

Obrigada por toda a sua atenção e tempo. :))


Ora vamos lá deitar os buzios para a cozinha...


:))

Arábica disse...

Mas não sem antes, trocar uns afagos em forma de palavra com a Gatinha Idun :))

Muito me contas desses jardins de Lisboa que conheces-te, Idun. Não me espanto nada com o cuidado da Humana. Pois não será ela assim por natureza, entre caracóis indomáveis? :))

Não acredito no castigo :))

A Humana decerto compreende o porquê dessa tua forma de falar aqui. :)) Vai sorrir. :))

Festinhas e votos de tardes langueirosas no fresco das sombras do vosso jardim :))

Humana disse...

ora, arábica, vou meter foice em seara alheia, ou seja, em conversa alheia.
eu até achei graça ao uso de uma fonte com tamanho tão pequenino, que, assim, deu mais realce à palavra "fodida" - e um outro peso à expressão.até a consegui "ouvir"!

e acho que há formas "elegantes" de dizer certas palavras ou expressões, sim. tudo depende da carga que pões. digo-to eu, que já li, várias vezes e para diferentes públicos, "o regresso de ulisses", do cesariny, e não consta que ninguém tivesse ficado chocado com certas palavras que do poema constam.

chegou aqui o aroma dos teus cozinhados. hummm!.........

uf! disse...

assino por baixo, se mo permite, Humana

Arábica disse...

Humana :)


acaba por dar um realce diferente, não é? :)

Ainda bem que o ouviste, sei que nos olhos se te desenharam as ruas e as cores da palavra, no seu contexto real.



Eu gosto muito de fomentar as foices e as searas (alheias???) nesta dose de mesa; a troca de vivências; e tenho tido o previlégio de ter umas/uns comentadoras/es que partilham do mesmo gosto. :))

Nem este blog poderia ser diferente de mim e ganhar forma de condomínio fechado :))

Mais uma vez, é através das "searas e foices" que nos vamos encontrando e evoluindo.


Obrigada, Humana e Prof.! :)


(e os vapores lá vão chegando até aqui...)

Manuel Veiga disse...

não sei, não...
compreendo a beleza do tema.

e das boas intenções "dos distribuidores de água"...

mas tenho para mim que não há transformação individual, sem mudanças colectivas...

beijo

Arábica disse...

Obrigada Herético,


mas como será possível a mudança colectiva sem transformação individual?

Como poderá ser legitima, profunda e verdadeira?


Não será apenas uma farsa social?

uf! disse...

A minha convicção é a de que os distribuidores de água não são a excepção mas a regra. Quem diz água, diz pão, diz mão, diz um simples sorriso, que seja. Só que desses, poucas pessoas se ocupam. Por isso senti necessidade de louvar o texto da Arábica, pelo toque positivo. Contra os pregoeiros da desgraça. Com pessimismos a terra não se moveria. Ficaria parada, calada, à espera para ver o que acontece, como a nêspera do Mário Henrique Leiria.
Pense bem, herético: se a humanidade fosse toda assim tão egoísta, tão má, já cá não estávamos - ou tem dúvidas???

O Árabe disse...

Bela lição amiga! A mudança está em nós... sempre! :) Boa semana.

Barbara disse...

Não pude deixar de vir até aqui.
Mudança coletiva , ecologia, ambiente, começa em cada um.
São Francisco dizia que para sair da crise existencial, o remédio era sair de si mesmo.
Se cada pessoa abandonar um pouco a cada dia a toca do ego onde "pensamos" estar acolhidos ou protegidos, e sair de si, certamente, teremos uma casa, rua, bairro, cidade, um mundo melhor.
Obrigada.

Rosa dos Ventos disse...

O teu post comoveu-me!
Não consigo dizer mais nada, eu que ando tão amarga, tão fechada ao exterior! :-((

Abraço

Arábica disse...

Amigo Árabe,

leio-te e comento-te quase há um ano. Muitas são as estradas que tenho percorrido ao teu lado.
Fico feliz por teres percorrido hoje e aqui a estrada do aguadeiro, tu que sempre tanta água tens, para nos oferecer.

:) abraço com carinho

Arábica disse...

Bárbara,

gosto muito das palavras de oração de S.Francisco, que é também um dos meus eleitos, no que concerne a homens de luz que decidiram traçar um destino diferente, do "socialmente" esperado.

Grata pelas palavras e pela visita.

Beijos

Arábica disse...

Rosinha,

a ser assim, é porque ainda não chegou o momento de saíres porta fora da tua amargura e da tua dor.
Poderás desafiar-te a ti mesma, ainda assim. Todos os dias um passeio mais longe de ti. Todos os dias, um passo mais longe...
Quem sabe?

É com emoção que te abraço, menina.

Duarte disse...

Agradeço a afectuosidade e aceito a proposta. Informar-te-ei oportunamente, não quero desaproveitar essa sugestiva oportunidade.
Para andar, aqui estou, e esses passeios que dás à beira rio têm que ser um aliciente para os sentidos.

As cidades são livros que se lêem com os pés, o que estou a comprovar diariamente com expressões como esta: -quantas vezes passei por aqui e ainda não tinha visto isto... aí me tens contemplativo.

Um grande abraço e o meu reconhecido agradecimento por tanta amabilidade

Nina Owls disse...

excelente o texto e sobretudo o acontecimento. Ainda há "milagres humanos" no quotidiano que supomos sempre igual, os de longe das cidades que não esperam autocarros nem mudanças.
Não esperei nada e aconteceu uma esperança vinda daí. ;)

Teresa Durães disse...

concordo contigo. é na rua e nos transportes que se conhece o país

Val Du disse...

Somos observadores e observados... o bom dessa é convivermos bem e na medida do possível...
Se bem que a vida também é feita de impossíveis. :)

Beijos.

burro disse...

seria o d. nuno álvares pereira para justificar a sua recente canonização?

Arábica disse...

Duarte,

a proposta, o facto de me oferecer como "guia" já tinha sido deixada em aberto há alguns meses, lembras-te? Também tu, gentilmente ofereceste o teu tempo, caso eu fosse a Valência. :))

Somos ambos gentis e simpáticos.


Beijinhos, continuação de boa semana.

Arábica disse...

Inner,


são os únicos em quem ainda tenho fé: os milagres humanos. :))

Uns dias não se espera, outros dias espera-se, e outros ainda, desespera-se! :)


Beijinhos

Arábica disse...

Teresa,

e todos os dias as experiências são diferentes...

Arábica disse...

Lita,

os impossíveis são todos para ontem, mas com alguma boa vontade, somos capazes de os realizar amanhã :)


Abraço

Arábica disse...

Sr. Burro :))

isso são mistérios que me ultrapassam por completo!! :)

...agora que fala nisso...seria???


:))

simplesmenteeu disse...

É, nesse andar pela cidade, a pé e de transportes públicos, que encontramos e descobrimos os outros.
É, na mistura de cheiros e vozes, que o sentir e os problemas se adivinham.

Nesse olhar atento pelos outros em busca de sinais e respostas.
E, quando já desesperamos, do cinza das paredes que se fecham, dá-se o milagre da água, do pão ou do sorriso. Então, nesse momento, temos a certeza que nem tudo está perdido.

Beijo terno

Arábica disse...

simplesmentetu,

para que a mudança aconteça, são sempre precisos dois:
O que dá a oportunidade e o outro, que a aceita.

Talvez este detalhe abra os olhos a quem nada espera e a quem teima em ver o cinzento.
E a desperdiçar momentos, oportunidades de mudança nas cores da cidade.

Um beijinho

bettips disse...

Como a água a pensar que corre,
essa, a tua letra/mente fluída. E depois ponho-me a ler o que dizem "os amigos" e lá vai o tempo correndo.
Um texto muito BOM, um texto sensível - uma realidade em que se contrasta a dureza de vidas, as vidas néscias e a beleza do gesto para a sede - sede de todos nós, os extraviados, os entontecidos por tanta estupidez. Não saberemos? que juntos temos força, juntos mesmo, no que nos é essencial..."a paz o pão educação saúde... não há liberdade a sério" pintem-na das cores que quiserem.
Alguém repara que a conservadorice (para não chamar outra coisa) ganhou pontos e lugares de tribuna, aqui e nos estrangeiros? alguém viu que os partidos ligados à ecologia têm uma grande expressão na Europa?
Mexericam, a todas as horas, em grandes palavreados, em grandes planos sobre o que LHES INTERESSA.
Não sobre a nossa sede.
Bjinho

Duarte disse...

Assim é, assim foi, mas em determinados momentos, mesmo sendo reiteração, soa e sabe bem.

Beijinhos, querida amiga

Nê A. Vieira disse...

Gostei daqui. Tem um bom astral. :)

Filipe disse...

Interesting woman you are.

Arábica disse...

Bettips,

o teu comentário traz tanto de ti, também na tua escrita fluente e caracterizada pela humanização dos gestos!

Prazer o meu ler-te, saber-te cá, aguadeira e sedenta de mais água.

A ecologia, tal como a sexualidade e ainda mais uns quantos, são campos muito carentes de educação neste nosso país.

Tanto que há a fazer.

Bebamos água, Bettips, com as mãos pouco poupadas das tarefas que nos consomem. :)

E que aguadeiros nunca nos faltem.

Abraço, amiga.

Arábica disse...

Duarte,

obrigada pela tua presença constante e amiga.

Um novo abraço.

Arábica disse...

Variações,

obrigada :))

Arábica disse...

Pipa,

curiosa a palavra empregue: interessante.

Se há algo que pode falar por mim, são os meus interesses, os que me moveram no passado, os que me movem no presente e os que acredito, me farão mover no futuro.

Ainda que possam variar entre o hobby e o defender dos valores em que acredito.

Laura Ferreira disse...

Gostei desta "cantiga" de palavras, sons, cores e imagens.
Um beijo.